Li há pouco n'O Estado de São Paulo, edição de 9 de dezembro, folha A12, uma reportagem especial a respeito dos 50 anos do AI-5. Há uns 15 dias conversei com um jornalista de lá, do Estadão, a respeito de fatos ocorridos durante a ditadura. Não me lembrava mais, esta manhã, de termos nos falado. De verdade. É formidável esquecermos maus momentos (não o da nossa conversa, obviamente, dos acontecimentos a respeito dos quais falamos!). Para ser simples, objetivo, transcrevo um trecho dessa matéria: Outro advogado que conheceu a prisão após o AI-5 foi Eros Grau. Era 1970 quando ele foi preso pela segunda vez - a primeira fora pouco após o golpe de 1964.
Durou três dias. Grau era suspeito de ligações com o Partido Comunista Brasileiro, crime previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN), que podia ser punido com até dois anos de cadeia. O empresário Dilson Funaro, então secretário de Planejamento do governador Abreu Sodré (Arena) pediu ao chefe a libertação do amigo. "Ele disse que 'ou me soltavam ou se demitiria'". Eros foi solto. "Perdi a chance de viver na França...". O então advogado da classe teatral se tornaria ministro do STF. "A Constituinte de 1988 rasgou tudo o que existia antes. Como no poema de Álvaro Moreyra: 'A vida está toda errada/Vamos passa-la a limpo?' Ela passou a limpo o passado. Virou aquela página. Ela significa o nascimento do novo". Fui solto pelas mãos do meu amigo Dilson Funaro.
O momento de liberdade de que desfrutei ao deixar o DOI/CODI determinou por onde seguiria minha vida. Perdi a chance de, como exilado, viver na França. Em compensação, no entanto, pelas mãos da mulher da minha vida - mais do que esposa, meu amigo mais amigo cá na Terra! - lá nos fomos a Paris como turistas. Mais adiante - eu com uma sala em um escritório de advocacia e a atuar como membro de tribunais arbitrais, desde o final dos anos 90 - nós dois, Tania e eu, desfrutando do nosso pequeno apartamento no quartier Saint- -Germain-des-Près. O passado do AI-5 está passado a limpo. E coisas mais recentes - menos pesadas, mas chatas - que velhos de quase 80 anos, como eu, tem de suportar.
Recuperado - estarei mesmo? - de duas cirurgias, uma delas de implante de marca-passo no coração, voltaremos à França na próxima sexta-feira. Escrevo este meu pequeno artigo agora, 9 de dezembro. Iremos aos lugares de sempre. Não em Paris, no meu quartier! Mesmo porque é múltiplo seu chão: caminho por lá como se estivesse a passear pela Rua Doutor Bozano e/ou por Tiradentes. A vida é maravilhosa, reafirmarei a todo instante! O passado deixa em mim somente os momentos felizes que vivemos.